quarta-feira, 22 de junho de 2016

Textos Mágicos 06 - Misdirection ou Missdirection?

Olá caros leitores do blog,

Estive parado por um tempo devido às grandes felicidades de ser um mágico, diremos, requisitado!
Andei me apresentando muito ultimamente para plateias maravilhosas, com muita troca de carinho e energia!

Entre os shows que fiz, destaque especial para a SIPAT do Claretiano Rede de Educação, onde pude realizar um show personalizado sobre o bullying e o Aedes aegypti para todos os funcionários do setor administrativo da empresa. Também realizei uma sequência de oito apresentações na Feira do Livro da cidade de Batatais, por onde passaram mais de 6 mil crianças que foram ao delírio com meu show que foi criado especialmente para a ocasião.

Também, é claro, não posso deixar de citar minha viagem para Las Vegas, onde vivi grandes momentos na cidade capital da mágica e pude me apresentar e aprender com meus queridos professores e mestres da arte mágica na McBride's Magic and Mystery School, a escola mágica mais conceituada do mundo. Mas isso é assunto para outro post!

Para compensar minha ausência, resolvi entregar um pequeno presente para você, leitor!
Tempos atrás escrevi um texto de 10 páginas como resposta a uma discussão bem produtiva com colegas mágicos através do whatsapp. O texto fala sobre misdirection e seus desdobramentos na prática do mágico consciente, é um pequeno tratado que eu estava guardando para poder desdobrá-lo em algo maior e mais estruturado e oferecer como um livreto para a comunidade mágica. No entanto, resolvi disponibilizá-lo agora, na forma como está (ou seja: um tanto quanto cru) para proveito de todos aqueles poucos que se interessarem pela leitura.

Eu, particularmente, gosto de ler materiais crus porque eles me forçam a desenvolver o tema por conta própria e ampliar minhas capacidades de interpretação e elaboração. Por isso, considero esse meu pequeno tratado como um singelo presente para você, leitor!

Eu adoraria saber o que você pensa do assunto! Ouvir suas opiniões, críticas, discordâncias, etc. Escreva para mim! Será um prazer!



Reflexões sobre o Misdirection e o Entretenimento

Como discussão inicial no meu mais querido grupo do whatsapp,
tínhamos o tema Misdirection: técnica ou conceito?
Eu fiquei pensando em diversas considerações sobre o assunto.
Considerações que achei muito extensas para o grupo e resolvi
elaborá-las melhor por aqui.

Portanto, aqui vão algumas das minhas considerações sobre a menina
dos olhos dos mágicos.

1ª consideração: Misdirection versus Missdirection
Aqui entendo que o primeiro é o termo correto, uma vez que implica o
controle da atenção.  Assim, o segundo implica o desvio da atenção,
como explicado abaixo:
Quando usamos o termo “Miss” (de “to miss”) que pode ser
interpretado como “Errar” eu penso em um alvo de dardos.
Em inglês, “errar o alvo” pode ser traduzido como “to miss the target”

Quando você mira no centro de um alvo e erra (miss), isso quer dizer
que seu controle sobre o dardo foi falho, você acertou fora do
pretendido. Você pode ter acertado em qualquer lugar fora do alvo,
isso não exclui o fato de você ter errado o alvo, foi um  “miss”.
Se você acertou a parede, a porta, a mesa ou a cabeça de alguém com o
dardo, pouco importa! O que importa é que você errou o alvo (missed
the target)
Se no exemplo acima você tinha a intenção de acertar o alvo, então
podemos julgar que seu controle sobre o dardo não foi efetivo, caso
contrário, você teria acertado o alvo.

Agora, vamos pensar no caso onde você NÃO quer acertar o alvo:
Então se alguém diz:

-Erre o alvo! (miss the target!)

Você joga o dardo sem o propósito de acertar, pouco se importando
onde ele vai parar, contanto que não pare no alvo.
Você direciona o dardo para fora do alvo, mas o lugar onde ele vai cair
não tem importância alguma. Toda a sala de jogos (com exceção do
pequeno espaço ocupado pelo alvo original) passa a ser seu novo alvo.
Acertando qualquer lugar da sala, você ganha já que a instrução é errar
o alvo original dos dardos.

Entende onde quero chegar? Se “to miss” significa errar (ou desvio, se
pensarmos em um alvo), isso implica que um missdirection é um erro
de direção, um desvio de direção, que assim como o dardo  do exemplo
acima, é direcionado de forma que erre o alvo, pousando sobre
qualquer outra coisa que não seja o alvo original.

Assim, traduzindo a metáfora dos dardos para o mundo mágico, nós
temos como missdirection:
O alvo: O método, o truque
O dardo: A atenção do público
O jogador: O mágico
O restante da sala: a apresentação, o ambiente e o corpo do mágico.

Portanto, o mágico que usa de um missdirection, apenas atira o dardo ao
léu, tentando não acertar o alvo original. O lugar onde o dardo (atenção
do público) cai dependerá de vários fatores, uma vez que fora  jogado
com displicência.
Dessa forma, o mágico aumenta suas chances de conseguir o efeito
mágico, porém realiza isso contando com a sorte e a boa vontade das
incertezas dos vários fatores de influência.
Eu não considero isso uma forma correta de procedimento, por isso
entendo o termo misdirection como mais adequado (lembrando que
entendendo os termos, internalizamos seus significados e conseguimos
modificar a prática. Isso não é apenas uma discussão de conceitos!)

Agora então, suponhamos que ao lado do alvo original seja introduzido
um novo alvo belo e interessante, quase tão grande quanto  a sala, é
quase impossível errar.

Agora, temos aqui:
-O Alvo original – o método
-O Alvo belo e grandioso – o chamariz de atenção
-O dardo – a atenção do público
-O jogador – o mágico
-O restante da sala –  a apresentação, o ambiente, o corpo do mágico

Nessa configuração, o mágico apresenta demasiada facilidade em
atingir o alvo belo e grandioso. Ele joga o dardo com a intenção de
acertar o grande alvo, e consegue!
No exemplo citado acima, podemos pensar no uso de um misdirection
demasiado bruto. Apesar da intenção de controle da atenção do
público, o mágico se vale de um alvo grandioso e interessante para
fazer com que o dardo (a atenção) caia no lugar desejado (o grande
alvo). Traduzindo para a realidade, podemos pensar na criança que diz
“olha lá o avião!” e enquanto seu colega olha em busca do mesmo, o
método é executado.

É claro que um missdirection  (errar, desviar a atenção) sutil é superior
a um misdirection (controlar a atenção)  bruto como o citado acima.
Contudo, o misdirection se faz superior se executado com sutileza.
Para fins de exemplificação, vamos pensar na situação onde não é
inserido um segundo alvo enorme e brilhante, mas sim uma pequena
mosca que voa pela sala.
O mágico é um exímio jogador, tem qualidade técnica e teórica
suficiente para vencer qualquer campeonato de dardos.
Assim, ele pega o dardo (a atenção do público) e exerce sobre ele um
controle impecável, atingindo a mosca que voava pela sala.

Nesse exemplo, temos a figura feita perfeita de um mágico mestre em
misdirection. Seu controle sobre a atenção do público é tão sublime,
que pode ser direcionado para qualquer ponto da sala, deixando o alvo
original (o método) esquecido enquanto a mosca agoniza esmagada.


Para efeitos de divulgação da magnitude Caiquiana, eu quando criança 
já matei um mosquito propositalmente enqua nto brincava de atirar
gominhas com as mãos. Uma outra vez, matei um outro que pousava 
em um muro, na altura de minha cabeça, com um chute de kung fu. 
Acredite se quiser, tais proezas não fizeram de mim um mestre na arte 
do misdirection...por enquanto.


É possível entender onde quero chegar? Em poucas palavras:
O controle da atenção é superior ao desvio da atenção.
Um desvio de atenção sutil é superior a um controle de atenção brusco.
Existe um vasto campo entre um controle de atenção brusco (o alvo
enorme) e um controle de atenção perfeito (a coitada mosca), campo
esse onde deve residir o interesse do artista mágico, que com
qualificação técnica e teórica deve ser capaz de evoluir dos controles
mais primários e bruscos para os controles mais evoluídos e delicados.

2ª consideração: Misdirection e Entretenimento

Este é um tema que já figurou entre os textos do blog, mas que vale a
pena ser trazido de novo.
A palavra entretenimento sempre me soou errada quando se fala sobre
mágica, até o momento onde percebi que era uma palavra muito
pertencente à nossa prática, mas não da maneira como é usada.
Não acredito que a função de um mágico é entreter. Para mim a mágica
é uma arte e mágicos são artistas, e como artistas, suas funções vão
muito mais além do que entreter.
São tantas as nobres funções do artista e tantas mais as nobres funções
do mágico, que não vale me demorar aqui sobre elas, portanto serei
breve!

Entreter significa desviar, mudar a direção, distrair e demorar alguém.
Eu realmente não acredito que mágica é entretenimento, porque a
função do mágico é justamente oposta a de entreter. O mágico abre os
olhos e os corações das pessoas para a magia que existe no mundo, o
mágico nos coloca na possibilidade de transcendência de nossas
limitações e até de nossa condição humana.
Para mim quem entretém é quem usa de artifícios para te fazer
esquecer, ao passo que o mágico deve te fazer lembrar! Lembrar de
toda a beleza do mundo, toda a bondade da vida e (para os bizarristas)
todo o lado escuro, secreto e underground que acontece na existência.
Muito bem, entendendo entretenimento como distração para pessoas
percebemos que o mágico não é um profissional do entretenimento.
Contudo, entendendo a definição de entreter, podemos perceber que o
mágico usa de entretenimento o tempo todo como parte de suas
técnicas.
O mágico entretém com uma mão, enquanto realiza o passe secreto
com a outra. Ele entretém com a apresentação, com a movimentação,
com os conceitos para poder realizar seu jogo de passes de forma
despercebida.

Assim, o controle (e aqui desconsideramos o sinônimo “desvio” de
“entreter” nos focando  em “demorar”) da atenção pode ser
considerado um entretenimento. Assim podemos pensar em
“misdirection” como conceito e “entretenimento como” técnica.
Como final desses apontamentos, retomarei a importância  do controle
sobre a atenção. Para isso é necessário, antes, analisarmos o fenômeno
atenção de um ponto de vista mais objetivo.

3ª consideração: Atenção e Interesse

A atenção pode ser compreendida como a canalização ou o
direcionamento das capacidades perceptivas do homem sobre o
mundo a sua volta.

O homem percebe o mundo através de seus sentidos:
Ele vê as cores e as formas
Ele sente o cheiro das flores e pessoas
Ele ouve os ruídos
Ele sente o gosto
Ele tateia a forma

São os cinco sentidos que norteiam toda a perce pção sensorial que o
homem tem do mundo.
A atenção, portanto, é a capacidade do homem de direcionar esses
instrumentos de percepção para um alvo. Este alvo é o centro de
interesse.
Contudo, a atenção é um fenômeno tanto sensorial (somático, do
corpo!) quanto subjetivo.

Opa! Vamos reafirmar isso!

A atenção é um fenômeno tanto sensorial (do corpo) quanto subjetivo 
(da mente).

É um fenômeno sensorial porque envolve os sentidos. Só é possível
prestar atenção em algo do mundo, direcionando ao menos um de
nossos sentidos para aquilo. Só podemos prestar atenção em uma
palestra se direcionamos nossa visão ou nossa audição (se possível as
duas) para o momento.
É impossível prestar atenção sem usar os sentidos. Mesmo quando nos
detemos em nossas questões internas, nossos sentidos estão voltados
para fora.
É também um fenômeno subjetivo porque a atenção se relaciona ao
interesse. Interesses são criados a partir de um sem número de
questões e vivências que influem na dinâmica de nossa psique.
Quando um de nossos interesses é apresentado pelo mundo para nós,
direcionamos quase que automaticamente nossa atenção para o
motivo de nosso interesse. Focamos nosso corpo e seus aparelhos de
percepção e captação do mundo para satisfazer a essas questões
internas de interesse.
Então, acredito que está claro que podemos pensar na atenção como
um evento somático e psíquico.
Pensando sobre os interesses (motivações psíquicas/subjetivas para a
atenção/focalização dos nossos aparelhos sensoriais em algo), consigo
de imediato pensar em três áreas que se relacionam com o interesse
humano:

-Área das particularidades: A pessoa se interessa por questões que
dizem respeito aos seus conteúdos próprios, são interesses criados
pelas suas vivências e que fazem parte de seu mundo subjetivo como:
ritmos musicais, cores, ideias, etc.
-Áreas gerais: Todas as pessoas têm áreas de interesse em comum, são
áreas que dizem respeito aos temas da experiência humana como:
Amor, saúde, felicidade, dinheiro, etc.
-Área do instinto epistemofílico: Aqui é o interesse de todas as pessoas
pelo novo. É o interesse movido pela curiosidade, pelo desejo de
conhecer e saber sobre algo desconhecido até então.

Assim, considerando que os interesses são motivadores da atenção, um
mágico pode manipular a atenção do público trabalhando com essas
três áreas de interesse:

-Um número sobre amor (ou sobre dinheiro, já que na atualidade é este
que impera) irá certamente atrair a atenção de muitas pessoas, uma
vez que seu tema (amor ou dinheiro) é uma área de interesse geral.

-Um número de mágica sobre temas da Psicologia é uma forma certeira
de agradar uma plateia durante um congresso de psicólogos. Aqui o
mágico usa do interesse particular (que convém ser o interesse geral
quando se trata de um evento que une pessoas de interesses
semelhantes) para atrair e controlar a atenção de seu público.

-Já um número que introduz um objeto desconhecido ou misterioso
pode apelar para o instinto epistemofílico das pessoas, que destinarão
toda sua atenção para entender como funciona ou o que é o novo
objeto apresentado.

Veja bem que essas três formas citadas acima podem ser controladoras
de interesse gerais como também direcionadas.

Num âmbito geral, um mágico que usa dessas áreas de interesse para
criar seu ato ou sua performance, tem em mãos um grande
instrumento para manter a atenção de seu público dura nte todo seu
espetáculo. Quando sua apresentação terminar, se deliciará com a
maravilha de ter uma plateia colaborativa que participou e esteve
atenciosa durante todo o tempo.

Já num âmbito específico, um mágico pode usar dessas áreas de
interesse como técnicas para o controle de atenção em um momento
desejado, como uma forma de misdirection. Ao introduzir um conceito,
um movimento ou um objeto que se relacione com essas áreas de
interesse, o artista pode facilmente manipular/controlar a atenção do
público, certificando-se que este se mantenha atento ao que é desejado,
enquanto os passes secretos são realizados em off beat.

Até aqui então compreendemos que a atenção é um fenômeno de bases
sensoriais que também é direcionado por questões subjetivas através
do interesse.

Contudo, vale apontar que, uma vez que as bases da atenção são
sensoriais, essas exercem um domínio maior sobre nossa atenção. Às
vezes, não importa o tamanho de nosso interesse, se nossos aparelhos
sensoriais forem estimulados no sentido  oposto ao de nosso interesse,
teremos um controle dúbio sobre nossa atenção.

Para exemplificar:

Eu, Caíque, estou em um grande evento musical. No palco a minha
direita está se apresentando uma de minhas bandas favoritas, Jethro
Tull, rainha de meu interesse. Já no palco a minha esquerda, se
apresenta um cantor de sertanejo universitário, que não exerce
influência alguma sobre meus interesses, a não ser talvez aquela
relacionada às pulsões violentas da personalidade.

Obviamente, seguindo meu interesse, direciono toda a minha atenção
ao palco onde se apresenta minha querida Jethro Tull. Contudo,
grandes explosões cinematográficas, um som altíssimo e grande
movimentação dominam a apresentação sertaneja ao meu lado.

Seria hipocrisia afirmar que toda minha atenção estaria voltada para o
show de minha banda favorita. Incontrolavelmente, a cada explosão ou
agudo desafinado do cantor sertanejo, minha  atenção se voltaria para a
pobre apresentação. É uma questão biológica! Nossos sentidos se
voltam para aquilo que lhes chama a atenção, mesmo que uma
infinidade de interesses e bom gosto musical conduzam para o outro
lado, o estímulo sensorial é muito maior , e por uma questão de
natureza, eu vou acabar prestando mais atenção no show indesejado. É
uma questão de sobrevivência!

Da mesma forma, acontece o misdirection do mágico. A técnica deve
ser de controle e não de desvio, uma vez que o controle entende e se
preocupa com as várias nuances da atenção e pretende levar tais
sutilezas em consideração  na elaboração e execução do número de
mágica.
O desvio almeja mudar o foco do interesse para qualquer outra coisa
ao passo que o controle vai além e apela para as questões da natureza
da atenção.

Um dedo que se aponta, uma mudança de mãos, uma casualidade
planejada ou uma ocasião elaborada, são todas técnicas que devem ser
consideradas no momento de “pensar o misdirection”.

Misdirection como controle coloca o mágico como maestro da situação,
o possibilita colocar em foco o mais importante de cada etapa de sua
apresentação.  A atenção passeia ao comando do mágico pelos vários
pontos necessários para que a experiência mágica se conclua limpa,
direta, simples e eficaz.

A atenção é uma das grandes preocupações do mágico. Seu controle
preciso não é questão de escolha, é uma obrigação técnica primordial.
Porque um truque pode ser feito com desvio da atenção, mas mágica
deve ser feita com o controle total, colocando tudo em foco. Nas
palavras de Eugene Burger, a boa mágica deve estar em foco.

Chegamos ao final e eu me encontro pensando nas origens da arte
mágica. O mágico, no início dos tempos, era aquele que tinha um
domínio sobre a natureza, domínio esse que encantava os outros e
colocava o mago como figurante entre as entidades divinas. O mago era
a quem você recorria se perdia o controle de sua vida ou de suas
questões. Assim, eu penso:


Desviar é entregar-se livre à sorte. Controlar é ser mágico!



Seu amigo na arte mágica,

Caíque Tostes



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Textos Mágicos 05 - Manifesto Desilusionista parte I



Manifesto Desilusionista

ou Manifesto da Mágica Verdadeira parte I - Do grito

por Caíque Tostes



Devido às formas que a sociedade tem experimentado a arte mágica atualmente, muitos pensamentos surgem na minha cabeça e da necessidade de expô-los nasce esse manifesto.
Nasce também porque eu acredito profundamente na magia, na beleza e poder do universo e na nobre missão do mágico, que nos deixa olhar e ver magia em toda a nossa volta.

Nos tempos onde tudo é efêmero, supérfluo e descartável, o mágico existe para nos reconectar com o mundo à nossa volta e todas as suas maravilhas. Para nos mostrar que existem questões muito mais importantes do que aquelas na tela dos nossos celulares.
O mágico também existe para propiciar o encontro com nós mesmos, nossas questões internas, significantes e profundas.

O mágico é um ingrediente importante nas nossas vidas: Carta número 1 no tarô, um arquétipo da iniciativa, da consciência, de ser jogado na existência e viver o fardo, a angústia existencial da liberdade e necessidade da escolha.

E na necessidade de escolha, eu escolho ficar de pé, junto da mágica e gritar. Gritar para todo o mundo ouvir, em respeito e reverência àquela que é a grande soberana das artes, a grande mãe da transcendência humana. Eu grito em nome do amor pelos nossos desejos primitivos, os desejos de ir além! 

Por uma mágica de significado! Eu grito!
Por um artista sensível!
A mágica é sobre nós no mundo, nossas possibilidades na existência.
A mágica é sobre nossas questões profundas, sobre os símbolos que nos acompanham.

Por uma mágica que mostra que nós somos muito maiores do que aquilo que nos fazem acreditar.
A mágica nos tira da armadilha de nos iludir medíocres.

Por artistas de conteúdo! Chega de charlatões e oportunistas roubando o belo da arte.
Por uma mágica que transforme! Que alquimicamente dê ao bruto uma forma preciosa, que faça emergir a essência.
Por uma mágica que transcenda! Transcenda nossa condição e nos conecte com a magia universal e divina.
Por uma mágica que derrame sobre a vida suas questões mais belas.

Por mágicos de verdade! Mágicos artistas, autênticos, fiéis a eles mesmos!
Mais de Eugene Burger, mais de René Lavand, mais de Jeff McBride, de Max Maven e tantos outros especiais que, acima de tudo, são eles mesmos.

Mágica não é sobre imitar, não é sobre um ator que finge ser mágico: Mágica é sobre deixar existir nossa faceta da transcendência.
Um ator finge, interpreta e no máximo sente seu personagem, alguns até criam uma nova personalidade, mas isso não é o que o mágico faz. O mágico se descobre mágico e o é.

O mágico é o mais otimista de nós mesmos. É nossa existência no plano espiritual, na posição de admiração e desejo, de contemplação.
A mágica é muito maior do que fazem parecer. A mágica é nossa origem, nosso mais além.
Por uma mágica surreal! Que vá além das banalidades do cotidiano, que explore os sonhos, o inconsciente, o Plus Ultra!

“Non Plus Ultra” é a demarcação mítica nos pilares de Hércules que avisa “Sem mais além”, sinalizando aos navegadores o final da terra. É o sinal do fim, do acabado, do concluído, de onde o homem pode chegar. O Plus Ultra é o território de quem dá o passo a mais, de quem transcende e encontra no “Mais Além” o território de outras possibilidades.

Mágica é sobre outras possibilidades, sobre questionar o mundano, sobre não contentamento com esse mundinho que nos fazem acreditar ser tudo.

Mais mágicos diferentes! Esquisitos! Excêntricos! Chega de mesquinharia. Lugar de mediocridade é no açougue!

Mágica é arte. Mágicos são artistas.
Mágica não é malabarismo ou desafio, mágicos não são charlatões.
Mágica não é profissão, é arte, é alma do artista! Tem que ser feita com amor.
Por mais respeito! Respeito à arte mágica!
E que os artistas respeitosos possam viver dignamente. Ser pago por ser sensível vai muito além de fazer mágica por profissão.
Mágica não é emprego, não é bico, não é forma de ganhar dinheiro.
Mágica é arte!
Mágica não acontece na televisão, não de verdade. A mágica está na relação!

Mágica não é entretenimento. Parem com isso! Entretenimento serve para nos fazer esquecer por um instante, mudar o foco das nossas preocupações. A mágica de verdade, aquela na qual acredito, nos faz lembrar para sempre, nos faz ir mais a fundo em nossas questões e descobrir as grandes maravilhas que existem dentro de nós e também à nossa volta.

Abra seus olhos! - diz o mágico – Os externos e os internos.
Mágica é conexão!
É linguagem universal!
Mágica é contemplação do mistério, é vivê-lo como ingrediente essencial.
A mágica de verdade é poesia, é beleza, é encontro consigo mesmo.

CHEGA! Chega de mediocridade com o precioso!
A mágica é para ser vivida, experimentada.
Caíque quase explode de tesão! De pensar em mágica correndo pelas suas veias.

Mágica, pra mim, é desilusão.
Nós nascemos e nossa experiência no mundo é inteira
De mágica e encantos.
O tempo passa, rápido como é,
E nos encontramos presos nesse mundo de ilusão
Contado pelos adultos
E o noticiário das seis.
-Saí daí que é sujo – eles dizem
-Não aceite doce de estranhos
-O mundo está perdido
-O homem não presta
E o meu favorito:
-Você tem que matar um leão por dia.

Então, o mágico chega, nos desperta e diz:
-Olha! Existe mágica em toda a nossa volta!
Mágica é desilusão!


Caíque Tostes

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Textos Mágicos 04 - Momento para Pensar




 "O artista é medíocre quando raciocina em vez de sentir."
Gustave Le Bon


Um novo ano começa e junto dele uma oportunidade simbólica de recomeço e mudança domina os pensamentos das pessoas. É comum nessa época do ano que pessoas façam resoluções para se tornarem melhores, mais próximas de seus sonhos e da tão sonhada felicidade.

E é devido a todo esse clima que, no primeiro texto mágico de 2016, resolvo fazer uma proposta a você, leitor.

Eu quero que você pare, por um instante, e pense sobre sua prática mágica! Eu criei uma pequena lista de perguntas que você pode fazer a você mesmo em busca de compreender melhor a sua relação com a nossa arte. É importante que você seja sincero e que realmente pense e tente responder verdadeiramente essas perguntas:

-O que é a mágica pra você?
-Qual é sua missão como mágico?
-Como você faz do mundo um lugar melhor através de sua prática mágica?
-Qual é seu maior sonho em relação à sua prática mágica?
-Se seu público devesse sair da sua apresentação pensando/sentindo apenas uma coisa, o que você gostaria que fosse?
-Você respeita a sua arte?
-Você realmente respeita a sua arte?

São muitas as perguntas que você poderia se fazer, mas essa pequena lista contém algumas das que considero muito importantes. É realmente necessário que você pense sobre elas de fato, talvez escreva em um papel ou leve alguma delas para o chuveiro. Essas não são perguntas que se responde da ponta da língua, são perguntas que se responde do coração.

Se você respondeu muito rápido, considere-as novamente, tente ir mais fundo, verifique se em um primeiro plano suas respostas parecem medíocres e, se parecem, tente novos planos, vá além.

Eu acredito que uma solução para uma melhor prática mágica no Brasil e no mundo é tão simples (e oh, às vezes tão complexa!) quanto parar e pensar. Conselhos, regulamentações, DRT’s e toda a infinidade de burocracias nunca serão capazes de dignificar tanto nossa prática quanto responder às perguntas (não só essas que proponho aqui, é claro, mas as que vêm de todos os lados) com calma e amor.

A arte só acontece a partir da sensibilidade do artista!

Aproveite esta oportunidade simbólica de recomeço e dedique mais do seu coração à sua arte, seja mais sensível, saia do automático. O pensamento tem o poder de mudar nossa prática e fazer dela uma arte mais sensível e de maiores importâncias. Importâncias muito além do enganar.

Que 2016 seja um ano de mudanças positivas em sua prática mágica, leitor. Que sua mágica emane do seu coração, que sua missão seja tão importante quanto sua técnica, que seus objetivos ultrapassem anos-luz a medíocre ideia de ganhar dinheiro à custa da arte mágica.


Seu amigo na arte,

Caíque Tostes

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Textos Mágicos 03 - Permissão para ser esquisito



"Nós nascemos originais e morremos cópias" 
                                                           Carl Gustav Jung


Eu estava de pé, com uma régua na mão enquanto minha namorada assoprava bolinhas de sabão e eu me apressava para tentar medi-las.

Até parece um sonho, mas não foi, foi apenas mais um momento inventivo da minha vida como mágico. Contudo, vi este momento como uma expressão muito simbólica do ser mágico. Afinal, nós somos mestres dessas esquisitices, pois são com elas que, muitas vezes, chegamos à criação dos efeitos que nos utilizamos para criar mágica.

Proponho algo para vocês: Pensem na última vez que foram esquisitos.
Eu imagino que provavelmente estavam fazendo ou treinando mágica.

Quão comum é vomitar cartas de baralho? Andar com bolinhas de espuma no bolso? 

Quão normal é colocar um celular dentro de uma garrafa de vidro intacta? Fazer cair uma moeda de baixo para cima?

A mágica é uma arte surreal, que quebra as barreiras do normal, do dia-a-dia, do esperado.
Se a mágica é, então, tão fora do comum, porque é que os mágicos andam cada vez mais normais?
Me parece mais a cada dia que um dos maiores presentes com que a mágica nos presenteia (e são tantos!) é a permissão para ser diferente, para ser esquisito!

Já percebi muitas vezes que pessoas estranham meu modo de vestir ou de agir, porém quando descobrem que sou um mágico, transformam-se e todo o meu modo adquire um sentido para elas, minha estranheza passa a ser aceita, às vezes até esperada.

Ninguém reclama ou se espanta com seu fraque e cartola se sabe que és um mágico!

Me lembro de uma vez que, na recepção dos alunos calouros de Psicologia, fui convidado a participar com uma apresentação. Na ocasião, percebi que nenhum número mágico meu que coubesse no tempo que me deram seria interessante para a recepção. Então resolvi subir no palco e declamar um trava línguas em espanhol catalão e em seguida “benzer” cada um dos calouros com gotas d’água de um cálice, uma palma e um toque de bengala na cabeça...foi um sucesso!

Foi um sucesso porque todos ali sabiam que eu era mágico, logo eu tinha a permissão para ser o quão esquisito eu quisesse. Todos me olhavam com uma certa  admiração e tudo o que eu fazia recebia um sentido instantâneo quase que ritualístico.

Qualquer outra pessoa não mágica, fazendo exatamente o que eu fiz, naquela situação seria visto como um tolo roubando o tempo das outras apresentações.

Ser mágico é poder ser diferente sem a censura do outro. Parafraseando Dalí (um grande esquisito): a diferença entre um louco e um artista é que o artista não é louco.

Onde eu quero chegar com isso?

Quero chegar à defesa do um ponto de vista que acredito ser relevante para a nossa formação mágica:

O mágico não é uma pessoa comum que tem poderes, o mágico é um mágico!

Ou

A pessoa comum faz truques, o mágico faz mágica!

Quão mágicos seriam Merlin, Gandalf ou Dumbledore se andassem por aí de calça jeans e camiseta agindo como pessoas normais?

Eu realmente não acredito que os efeitos de mágica se tornam mais mágicos por emanarem de alguém aparentemente normal. Eu acredito que ser diferente suscita fantasias e as fantasias de quem participa da sua mágica são uma estrutura para se construir um momento mágico.

Entretanto, eu não estou defendendo que todo mágico deva adotar uma forma esquisita de ser para se adequar a uma concepção de mágico que faz sentido para mim. 

Eu defendo que cada um de nós é esquisito, diferente, singular em sua natureza. Nossos medos, a imposição social e outros fatores é que nos impedem de ser como realmente somos.

Então, o que procuro dizer com este texto é que a mágica está nos dando este maravilhoso presente da singularidade e do não-comum, que cada um de nós pode usar este presente à sua forma, para se tornar mais si-próprio (ou mais próprio de si), mais distante de convenções sociais e do desejo por ser aceito.

Ao caminharmos para a nossa singularidade, protegidos e instigados pelo ser-mágico, não só suscitaremos fantasias positivas na cabeça de nossos participantes (nosso público) como desenvolveremos uma magia mais verdadeira, mais fiel a nós mesmos (como aquela de Rene Lavand, por exemplo) que aponta para o sucesso, a realização e, sobretudo, a arte na magia.

Tudo isso me faz pensar em formas para dar vazão  aos conteúdos que são originalmente nossos, transformando nossa prática mágica em arte! Mas isso é assunto para outro texto!


Que a mágica esteja com vocês,


Caíque Tostes

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Textos Mágicos 02 - A mágica de proximidade





"Não desejo suscitar convicções, o que desejo é estimular o pensamento e derrubar preconceitos"

Sigmund Freud

Olá meu amigos leitores. Este é o primeiro texto mágico a ser postado e como vocês podem perceber, começa com esta preciosa frase do pai da psicanálise Sigmund Freud.
Eu acredito que essa frase expressa muito bem minhas intenções com esse texto. O que vocês verão a seguir são pensamentos particulares meus e estão longe de ser a verdade absoluta. Você tem todo o direito de discordar, ampliar ou ignorar este conteúdo.
Se em algum momento minha escrita parecer muito impositiva, peço a gentileza de retornar para o topo do texto e reler a frase do Freud, porque ela exprime minha real intenção.
Este texto foi escrito a partir de alguns pensamentos meus sobre a mágica de perto. São pensamentos que me ajudam a orientar meu trabalho nessa área, me rendendo bons frutos e experiências. Divirta-se:


A mágica de perto, ou close-up, tem se tornado uma grande atividade de mágicos no mundo todo. Talvez pela praticidade de executar números que cabem no bolso, ou pela questão financeira uma vez que os objetos utilizados nessa área da mágica são quase sempre mais baratos que os equipamentos para apresentações de palco. 

Contudo, duas grandes vantagens de se trabalhar com a mágica de perto são a mobilidade que ela proporciona (uma forma plástica de realizar um show sem o uso de palcos, iluminações e sistemas de som) e (o que talvez a minoria dos mágicos considere na hora de escolher o close-up) a participação direta da plateia, ou melhor: participantes. 

É levando em consideração a participação da plateia que proponho este texto, começando com a pergunta:
Qual é a função de um mágico de perto, passando de mesa em mesa em uma festa/restaurante/recepção?
Vamos fazer agora uma progressão de algumas respostas possíveis a essa pergunta, tentando ampliar nossa visão conforme passamos de resposta a resposta. Vale dizer que em alguns casos, a diferença entre uma resposta e outra será de apenas uma única palavra. Eu acredito que é importante pensarmos nas palavras e no seu real significado para podermos compreendê-las. Assim, quando descrevemos nossas funções e nosso trabalho com palavras que nos significam algo, podemos exercer melhor nossa profissão. Às vezes, uma palavra é tão automática que não pensamos sobre ela, e ao usarmos tal palavra ela nos sabota psicologicamente. Ela determina negativamente nossos comportamentos e compromete nossa qualidade enquanto artistas.

Vamos então às respostas, que estão sinalizadas por número, em um total de 6, cada uma com um pequeno texto abaixo explicando o porquê da resposta ser ou não eficaz:


1-      A função do mágico que passa de mesa em mesa em uma festa é de assombrar e/ou impressionar os convidados com seus segredos e técnicas.

Nesta resposta tão básica temos um ponto de vista bem egocêntrico, onde o mágico faz o que faz para mostrar para as pessoas o que ele sabe fazer. Ele demonstra sua técnica, assim como um malabarista ou uma pessoa que consegue tocar a língua no nariz. O mágico, claramente, é muito mais que isso, portanto vamos ampliar nossa visão um pouco:

2-      A função do mágico que passa de mesa em mesa em uma festa é de assombrar e/ou impressionar os convidados com sua mágica.

Aqui já percebemos uma evolução, uma vez que o foco não é a técnica ou o segredo, mas sim a mágica! Contudo, não deixa de ser um pensamento egocêntrico, uma vez que o mágico faz o que faz para mostrar para as pessoas que é um mágico e que o que faz é legal. Portanto, vamos ampliar mais um pouco:

3-      A função do mágico que passa de mesa em mesa em uma festa é proporcionar às pessoas uma experiência de magia.

Agora podemos perceber que o mágico sai de foco e a atenção está na mágica. O mágico é o meio pelo qual se pode criar a experiência da magia (isso não tira a importância da figura do mágico!). Assim, perde-se o pensamento egocêntrico e enfatiza-se o que é necessário: a mágica! Apesar de ser uma boa resposta, acredito que podemos ampliar o conceito mais um pouco, compreendendo que quase que sempre a função de um mágico é o “entretenimento”. A próxima resposta então seria:

4-      A função do mágico que passa de mesa em mesa em uma festa é entreter as pessoas através da experiência da magia.

Ótimo! Agora conseguimos juntar duas funções consideradas principais em um mágico: proporcionar a experiência da magia e “entreter”. Porém, vamos analisar melhor o que seria essa segunda função, a função de “entreter”.

Quando eu penso na palavra “entreter”, eu penso em enganar, em mudar o foco. Não é de todo ruim o uso dessa palavra para nós mágicos, já que nossas ferramentas se baseiam de certa forma no enganar e no controle do foco. Entretanto a palavra entreter (que poderia ser uma bela tradução para o termo misdirection) é carregada com um sentido de -enganar/desviar a atenção de alguém enquanto se faz outra coisa-  o que me lembra o coiote e o papaléguas. O coiote entretém o papaléguas, por exemplo, com uma caixa de presente Enquanto o papaléguas está entretido e não presta atenção ao seu redor, o coiote libera uma grande pedra que cairá sobre o papaléguas.

Me lembro também dos pais que precisam sair de casa e deixar o filho com a babá. A babá com alguma brincadeira ou brinquedo entretém a criança, enquanto os pais saem pela porta dos fundos. 

Dessa forma, eu vejo a palavra “entretenimento” como uma expressão totalmente errada no que diz respeito à arte mágica e sua função. Como técnica, a palavra entretenimento é perfeita, uma vez que quase se iguala ao termo misdirection, mas como função do mágico e de sua arte, é uma palavra, ao meu ver, totalmente equivocada. O mágico, portanto, não entretém: ele usa o entretenimento como técnica.

*Vale ressaltar que quando me refiro ao mágico, me refiro ao profissional ou amador dedicado e que entende e pensa sobre sua prática. Um charlatão que usa do nome “mágico” para ganhar dinheiro, mas não respeita a arte, provavelmente só entretém mesmo.

Um mágico não faz mágica para entreter uma pessoa, para fazer com que ela se esqueça do ambiente à sua volta. Entreter está ligado a ignorar o que está à volta. Particularmente, eu acredito que a função da mágica é completamente o oposto! É despertar a pessoa para o que está à sua volta, para a magia que existe ao seu lado por todos os lugares, a função da mágica é acordar o homem para a magia e beleza da vida.

Desta forma, eu não quero entreter ninguém, eu não quero que minha mágica seja um escape para a pessoa esquecer do ambiente à sua volta, muito menos esquecer dos problemas ou maravilhas de sua vida.
Assim chegamos ao ponto de que a função do mágico não é entreter, mas sim despertar. Contudo, numa situação de walk-around (passar de mesa em mesa fazendo mágica) que se dá quase sempre em ocasiões festivas (casamentos, aniversários, recepções de empresas, restaurantes, etc) é necessário que esse despertar promovido pelo mágico seja um despertar para cima, ou seja: para coisas positivas, divertidas e leves. Um mágico que desperta para os problemas e indecisões, para a morte ou mistérios mais profundos, tem seu lugar em eventos mais introspectivos, espirituais ou filosóficos, mas não é um bom convidado para situações festivas (apesar de existirem exceções).

Então vamos considerar que um mágico que passa de mesa em mesa vai direcionar sua arte para divertir. Divertir é uma ótima palavra, que se liga com diversão, diversidade, pluraridade. Assim, o mágico que desperta (e não que entretém) abre uma vasta gama de possibilidades (diversão – diversidade) de experiência da situação. Assim, nossa resposta passa a ser:

5-      A função do mágico que passa de mesa em mesa é fazer com que as pessoas se divirtam através da experiência mágica.

Estamos quase lá! Apesar de uma boa resposta, acredito que esta ainda não é a resposta ideal (se é que ela existe!). Mantemos o conceito de experiência mágica, que coloca o foco na mágica e não no ego do artista, o que é positivo. Adicionamos o conceito de diversão, de abrir-se ao que está acontecendo no momento, o que também é positivo. Entretanto, é aqui que entra a palavra que mantém uma configuração mental no mágico que pode ser responsável por sabotá-lo. A palavra é fazer.

O mágico está num lugar lindo, com pessoas festejando, música, bebidas e comidas deliciosas e tudo o que uma festa tem. Sua função ali não é a de fazer ninguém se divertir. Se fosse, era muito mais fácil contratar apenas o mágico e economizar com buffet, DJ, decoração e tantas outras coisas. O ambiente onde o mágico está já é, por si só, divertido e interessante. 

Essa ideia de fazer as pessoas se divertirem é, muitas vezes, responsável por transformar alguns profissionais da mágica em performers horríveis: Quando sua obrigação é FAZER as pessoas se divertirem, você usa do que for necessário para que isso aconteça, inclusive de piadas e números roubados e de muito mau gosto, que colocam o participante em posições vergonhosas. 

Vamos então ampliar pela última vez (neste texto) a resposta:

6-      A função do mágico que passa de mesa em mesa é, através da experiência mágica, deixar que as pessoas se divirtam.

Perfeito! Aqui trocamos o fazer pelo deixar, e preste atenção! Não é deixar que as pessoas se divirtam com ou na experiência mágica, pois isso é quase que uma obrigação! (e lembre-se divertir não é igual a dar risadas, é igual a dar boas e positivas risadas, experimentar sensações e pensamentos novos e várias outras coisas). É deixar que, através da experiência mágica, ou seja, usando-a como caminho, a pessoa se divirta. O efeito (efeito geral)  aqui é muito maior do que o momento da experiência mágica em si. A pessoa se diverte durante a experiência mágica, mas quando o mágico vai embora, ela está acordada para viver toda a experiência de estar no lugar que está, com as pessoas que está, com as coisas legais que estão por perto. Ela está acordada para a diversão, para a diversidade, ela está pronta para aproveitar o momento da melhor forma possível...e já estava fazendo isso desde a sua performance.

Não é maravilhoso o quão mágico é isso? Numa era onde todos estão preocupados com o celular, que quase nunca estão presentes no momento, que não se relacionam com quem está sentado ao seu lado porque estão presos, de cabeça abaixada, conversando com um pedaço de tecnologia, o mágico vem e faz a grande mágica, a grande transformação e diz: “Acorda para a beleza! Acorda para a magia! Acorda para ti!” e com sua mágica transforma zumbis presos no telefone ou em si mesmos em pessoas preparadas para se entregarem na admiração da grande beleza que é a vida.

É claro, algumas pessoas podem voltar para seus celulares assim que você terminar sua apresentação, talvez elas precisem de uma dose maior de magia, mas não se sinta mal! Pelo menos você terá proporcionado para essas pessoas, tão presas, um pequeno momento de magia e despertar. É como tirar um cochilo no meio da tarde quente e poder se deliciar com o mundo dos sonhos.

Assim, chegamos ao final deste texto. A partir da troca de duas simples palavras (entreter se transforma em divertir, e fazer se transforma em deixar) é possível remanejar as expectativas em relação à função do mágico. O mágico que se propõe a deixar as pessoas se divertirem, engaja as pessoas numa experiência mágica, diminuindo suas expectativas em relação à obrigatoriedade de fazer com que se divirtam. O mágico pode estar no momento de forma mais plena, apresentando, quem sabe, apenas um único número de mágica e deixando a festa toda de boca aberta e acima disso, se divertindo. Mas isso é assunto para outro texto!

Com meus melhores desejos,

Caíque Tostes